por Felipe Carvalho
Desde segunda, Manaus parou diante dos passos lentos de milhares de pessoas que lutavam por algo perdido. Naquele corpo único que marchava ninguém tinha cor nem tinha sobrenome. Todos ali eram voz e convicção.
Ouvi dizerem que nem todos estavam alí com o mesmo pensamento, que havia entre aqueles tantos outros pessoas que estavam apenas por diversão. Eu sei que sim, eu estava lá e pude ver e ouvir muitos que passavam rindo, muitos que fizeram daquilo uma festa momentanea. Isto torna o movimento mais fraco? Faz o protesto perder seu real sentido? Não, pois entre uma risada e outra, eles engrossavam os refrões dos que protestavam por justiça e, neste momento, também se tornavam parte do todo, tornavam-se célula do corpo único que é o estudante de Manaus. E mesmo que estes estudantes estivessem ali sem ter conhecimento de toda a situação, se eles sentirem necessidade de saber o que está acontecendo na cidade para que todas aquelas pessoas saíssem as ruas, estão, tudo bem. E se eles começarem a se permitir travar diálogos referentes a política e direitos de cidadão, então melhor ainda que estas pessoas tivessem participando, pois a manifestação teria agido para além das pernas e braços, mas também sobre seu pensamento, e este é o principal objetivo.
Este corpo único que falo não é apenas a massa de pessoas que caminhavam na mesma direção. Durante o trajeto, inúmeras pessoas davam sinal de apoio aquela manifestação legítima. Eram idosos, mulheres e crianças que deixavam o interior de suas casas e iam as beiras das ruas acenar, levantar ao céu a carteira estudantil, ou até mesmo dar um sorriso que centenas de estudantes retribuiam no mesmo instante. Eram também motoristas de ônibus que, nas suas obrigações diárias, passavam do outro lado da pista. Tantos outros motoristas deram o mesmo apoio, iam na contra-mão mas nem por isso deixavam de dar um sinal de aprovação.
Os motoristas que precisaram parar seus automóveis por conta do protesto que “teimava” em parava nos cruzamentos também se levantavam para ver. Levantavam-se para aplaudir. E como ficar com raiva de alguém que está lutando por um direito? Isto é mesquinhez. O direito coletivo deve pesar mais sobre cada um de nós.
6 de maio de 2009
Cheguei a Ufam mas fiquei poucos minutos, logo ouvi um grupo de pessoas que estavam indo para o protesto na Câmara Municipal de Manaus (CMM), no São raimundo, e resolvi acompanhá-los. Fomos de ônibus, o que de certa forma me pareceu um tanto irônico. Foi um trajeto longo que consumiu uma hora de nosso dia. Lá, portões fechados. “A casa do povo não pode trancar seus portões”, eu tinha vontade de gritar, mas nem consegui, os que me conhecem sabem o quanto é difícil me fazer falar.
Um carro de som fazia todo o barulho que precisavamos. Mais e mais pessoas juntavam-se a nós, já deviamos ser uns 50 quando um cara de paletó disse que os portões haviam sido fechados após um acordo com os outros estudantes para limitar o acesso a galeria da Câmara a 80 pessoas, número total de poltronas para os expectadores. Por celular, alguém conversou com outro que já estava dentro, este disse que lá havia, no máximo 40 pessoas. A informação foi repassada ao homem de paletó que, após uma recontagem, ele permitiu que mais 30 pessoas entrassem.
Fui o trigésimo
“28… 29… Este é o trigésimo”, gritou o homem após colocar a mão sobre meu ombro esquerdo.
Nunca havia estado lá, era tudo novo pra mim. Entrei na hora que o vereador Leonel Feitosa terminava seu discurso onde dizia que havia pensado melhor no assunto e que tinha mudando de decisão. Muitas vaias. O vereador-apresentador de tv Henrique Oliveira já vinha tentando se livrar da sujeira dizendo que a lei havia sido aprovada na gestão passada.
Lá de cima onde estávamos, podia ver rostos conhecidos. Arlindo Junior não saia do MSN, a piada que rolava quando ele voltava a digitar era “A gente se falar outra hora, amor. Tô trabalhando”.
A votação extraordinária prometida pelo presidente da CMM, vereador Carijó, para a revogação da lei de redução dos passes, não aconteceu. Ele nem estava lá, estava em Brasília. O placar eletrônico dizia que haviam 28 vereadores. Foi anunciado que a bancada iria se reunir e depois iria dar uma decisão.
Tia da Trufa
Estávamos todos atordoados por causa da fome, vontade de fazer algo, tédio, quando um grito estridente corta a galeria:
– Olha eu aqui, gente!
E quem era? Quem quem? A onipresente Tia da Trufa com sua maletinha. Todo mundo avançou ao redor da pequenina.
– Como a senhora veio parar aqui?
– Ora, eu cheguei lá na Ufam e não tinha ninguém, imaginei que vocês estivessem aqui!
(ok, ela também é oniciente)
O que mais me admirou foi que nós, estudantes, travamos maior bate-boca para que alguns entrassem e a Tia da Trufa entrou na maior. Acho que ela também controla mentes.
Horário de almoço
Alguns vereadores até mandaram lanches para nós, pães, bolachas, refrigerante e café com leite e café preto. Esperamos até as 14h, como nada aconteceu saimos andando para a frente do Sinetam (em frente ao Terminal da Constantino Nery), onde outros estudantes também estavam protestanto.
Deixamos um grupo na CMM para acompanhar a movimentação, mas tarde, quando já estavamos juntos ao grupo, nos foi informado que a votação havia sido adiada para segunda-feira.
O protesto seguiria até a av. Djalma Batista.
A marcha
Já eramos muitos quando decidimos continuar com o protesto. Iamos por uma das vias da Av. Constantino Nery, parando na frente dos estabelecimentos de ensino para a maior adesão de estudantes. A medida que iamos avançando, iamos ganhando mais peso. Lembro da gritaria que foi quando um grupo de 6 ou 7 estudantes veio correndo do Parque dos Bilhares para encorpar o protesto.
Em certos momentos, o grupo de frente parecia um tanto em dúvida para que caminho escolher. E em questão de segundos, pessoas se juntavam, apresentavam propostas e tomavam novas decisões. O pescoço ficava rubro de tanto gritar, o diálogo na linha de frente era exaltado mas sempre existia.
Já estávamos na av. Darcy Vargas, entre o Amazonas Shoping e a UEA, sentamos na rua, dos dois lados, imedindo o trânsito. Os ambulantes ali da região faturaram bastante, quando cheguei a um deles para comprar água, ouvi ele clamando: Calma, calma, calma.
Descemos mais um pouco, parando novamente na outra UEA, onde mais alunos entraram no bolo. A caminhada continuou. No cruzamento com a Paraíba, mas uma parada. Centenas de carros parados dos dois lados (Darcy e Paraíba) e as buzinas que soavam não eram de repreensão eram de apoio.
Seguimos a diante. Agora, a ideia era ir até a rotatória do Coroado e depois Ufam. Impossível dizer que tudo isto havia sido planejado. Quando saímos da Ufam, apenas iamos para a CMM. Quando saímos da CMM, tinhamos apenas o objetivo de ir ao Sinetram para nos unir aos outros estudantes. Aliás, o encontro das duas massas, para mim, foi igual a uma cena do Senhor dos Anéis, toda aquela gritaria, punhos erguidos. O meu corpo tremia com aquele turbilhão de sentimentos e hormônios explodindo.
A chega ao Coroado foi a pior parte. Mais de 3 horas de caminhada e o corpo reclamava de dor.
Foi anunciado que o carro de som (uma kombi) estava com pouca gasolina. Um copo plástico foi passado entre os estudantes e cada um depositou uma moeda para a contribuição.
Quando chegamos ao Coroado, já era noite, por volta das 18h30. Paramos e Manaus parou conosco. Os motoqueiros eram os mais impacientes, mas também respeitaram a manifestação.
Em todos esses dias: nosso esforço
Gritamos, aplaudimos, fizemos tudo o que podiamos fazer para ter o nosso direito de volta. Direito que já voltou mas ainda sob ameaça. Passará por regulamentação.
Muitos ainda discordam, acham que é uma luta por vantagens pois a quantidade de passes “é mais do necessária”. Será?
Mesmo assim, não vejo esta mobilização apenas como uma briga por mais passes. É mais do que isso.
A lei proposta pelo vereador Leonel Feitosa não foi tomada junto com os estudantes, não viu as necessidades decada um. Muitos precisam de mais de 2 passes por dia. Muitos estudam no fim de semana. Ao invés de propor formas mais eficientes de fiscalização e regulamentação do uso dos passes, utilizaram a forma mais fácil (fácil pra eles): barrar, limitar, inibir.
Isso foi um tapa na cara de todos nós. Uma declaração de que eles, políticos, podem fazer o que bem entenderem. Podem julgar-nos sobre seus parâmetros.
No final de tudo, cada passo que os estudantes deram naquela marcha era um tapa de volta na cara daqueles que tentam nos prejudicar.
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